23/02/2008

Não piso a concha...

Não piso a concha
abandonada pela onda que o mar trouxe.
Recolho-a e ouço a voz dos tempos
As dores e os amores agarrados às palavras.
Fala-me das ilhas e dos navios
Das janelas dos naufrágios
E das flores marinhas que os acompanharam.
Ali na espuma tudo é transparente
Aflora palavra, a verdade e
Tudo no instante de afagar a concha.
Barco de proa à madrugada
Navego tranqüilo
Sem vírgulas entre as palavras
Porque não há instantes interrompidos.
Na limpidez de uns olhos profundos
Está o mar que sulco
Com uma ave no mastro.

15/02/2008

Estrela do Mar

Numa noite em que o céu tinha um brilho mais forte
E em que o sono parecia disposto a não vir
Fui estender-me na praia, sozinho, ao relento
E ali longe do tempo, acabei por dormir
Acordei com o toque suave de um beijo
E uma cara sardenta encheu-me o olhar
Ainda meio a sonhar perguntei-lhe quem era
Ela riu-se e disse baixinho: Estrela do Mar
"Sou a estrela do mar só a ele obedeço
Só ele me conhece, só ele sabe quem sou
No princípio e no fim
Só a ele sou fiel e é ele quem me protege
Quando alguém quer à força
Ser dono de mim..."
Não sei se era maior o desejo ou o espanto
Só sei que por instantes deixei de pensar
Uma chama invisível incendiou-me o peito
Qualquer coisa impossível fez-me acreditar
Em silêncio trocamos segredos e abraços
Inscrevemos no espaço um novo alfabeto
Já passaram mil anos sobre o nosso encontro
Mas mil anos são pouco ou nada para estrela do mar
"Estrela do mar
Só a ele obedeço
Só ele me conhece, só ele sabe quem sou
No princípio e no fim
Só a ele sou fiel e é ele quem me protege
Quando alguém quer à força
Ser dono de mim..."
Jorge Palma

09/02/2008

Amor e Areia

Uma mãe e a sua filha estavam caminhando pela praia. Num certo ponto, a menina disse:

- Como se faz para manter um amor?

A mãe olhou para a filha e respondeu:

- Pegue um pouco de areia e feche a mão com força…

A menina assim fez e reparou que quanto mais forte apertava, com mais velocidade a areia escapava entre seus dedos.

- Mamãe, mas assim a areia escapa!!!

- Eu sei, agora abra completamente a mão…

A menina assim fez mas veio um vento forte e levou consigo a areia que restava na sua palma.

- Assim também não consigo mantê-la!

A mãe, sempre a sorrir disse-lhe:

- Agora pegue outra vez num pouco de areia e mantenha na mão semi-aberta como se fosse uma colher… bastante fechada para protegê-la e bastante aberta para lhe dar liberdade.

A menina experimenta e vê que a areia não se escapa da mão e está protegida do vento. E tranquilamente a mãe então responde:

- É assim que se faz durar um amor…

Aqui está minha vida...


Aqui está minha vida
- esta areia tão clara
com desenhos de andar
dedicados ao vento.

Aqui está minha voz
- esta concha vazia, sombra de som
curtindo o seu próprio lamento.

Aqui está minha dor
- este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.

Aqui está minha herança
- este mar solitário,
que de um lado era amor e,
do outro, esquecimento.

(Cecilia Meireles)